03 dezembro 2004

O pau e a cenoura

Considero-me anarca. Bom, talvez não me considere anarca "a sério", mas tento aplicar no dia-a-dia aquilo que excite mais os nossos neurónios e faça excitar os dos outros. Essa é uma parte muito importante do anarquismo para mim - pensar e fazer pensar - a melhor maneira de garantir a durabilidade da liberdade que o mesmo idealiza, entre outras coisas. Lembrem-se que há vários sistemas políticos e de crenças que descartam esse factor como vital ou sequer importante. Adiante.
O anarquismo, a ser posto em prática HOJE, só podia ser levado avante por um quantidade pequena de indivíduos, senão estaria condenado à nascença à lei dos mais fortes. Façam este exercício mental:

Façam um mapa mental das 200 pessoas mais socialmente próximas de vocês (no caso dos "incompreendidos", as 200 menos afastadas). Já está? Agora, peço-vos que sejam sensíveis nas apreciações que fazem, amplificando a característica em jogo de cada pessoa, muito.

1) Descontem os filhos da puta. Ahh, vocês sabem quem são, não sabem? Pois, nem eles escondem isso. Aqueles que chamam "tansos.." entredentes ao pessoal que está numa fila para o pão num país com fome e decide antes fazer conversinha de chacha com o tipo da porta ao lado, do armazém da padaria, oferecer-lhe um cigarrito e pedir-lhe para comprar um ou dois saquitos de pão à margem - "sabe, é que eu sofro de pés chatos..". Aqueles que jogam na bolsa irresponsavelmente, e que ainda acabam por julgar "eu ajudo a economia do meu país!". Pessoas como o tipo do armazém.

2) Descontem os inconsequentes ou irrazoáveis. Pessoas que se guiam pelo olho por olho, pela vontade do momento, ou agem desproporcionadamente. Se não é filho da puta, é a pessoa que aceitou o cigarrinho do filho da puta e escapou-lhe um ou dois saquitos de pão.

3) Pessoas que se recusam ou não sabem ter um debate minimamente civilizado.

4) Pessoas que não são, nem seriam, capazes de se auto-regular. Sabem? Aqueles que vão ao casino e gastam todo o seu dinheiro e vão sofrer todos os dias com isso.

5) Pessoas burras que não têm pudor em tentar modelar o mundo em função do seu mundinho (porque há as pessoas burras que, felizmente, são humildes).

6) Pessoas que não sabem lidar com os factos e nem estão interessados neles; preferem viver na sua vidinha de fantasia (quanto conjugado com o ponto anterior resulta numa combinação especialmente perigosa). Sabem de quem falo, não? ;) Religião, anyone?

Com quantas pessoas ficam após os descontos? Poucas? Nenhuma? Bom, com as pessoas que restaram, talvez tenha uma hipótese de estabelecer uma comunidade anarca bem sucedida.

Um dos pontos que deixei para o fim, deliberadamente, é uma das características que considero mais fascinante, e que é popular por entre ineptos para a anarquia. O síndrome do pau e da cenoura. É considerado por alguns como um tabu, por saberem que a maior parte das pessoas sofre dele e que será claramente insultuoso sugerir algo do género em público.
A quem me refiro? A pessoas que não funcionam (alguns casos raros conseguem racionalizar para "quero funcionar assim") sem uma mão superior que, ao mesmo tempo, dá e tira; são as pessoas que vivem à base da esperança mas só se contentam com a gratificação imediata; são os idealistas cujos ideiais utópicos são trocados por implorações feitas pelo seu alter ego (e aceites pelo ego) para castigar o seu ser racional com castigo físico (e não só) por esse mesmo ser racional se "ter atrevido" a ter pensado tais ideiais blasfémios e irrealistas que só trazem infelicidade na vida real. São os masoquistas, na sua má vertente (porque os há a partir de outros factores). São aqueles que vivem em guerra civil consigo mesmo. E são esses, porque os outros não têm salvação, que quero salvar.

Entendes? Enquadras-te aí? Deixas-me tentar salvar-te?


Por continuar...