26 janeiro 2006

a cabeça do albatroz


(...)

A casa exuberava segurança. No meio daquela tormenta, era exactamente o que procuravam - fora sair daquela língua de areia tornada inferno.

A casa era uma típica casa de pedra e cal de praia, mas esta tinha duas particularidades. Para começar, o seu estilo arquitectónico era decepcionante por dentro. Os quartos não mais eram do que pequenas celas quadradas ladeadas por muros de cal irregular e a ocasional janela gradeada. Não haviam portas, nem sinal de que alguma vez tivessem existido. Os corredores eram apertados ao ponto do cruzamento em direcções opostas ser difícil. Só havia o piso térreo. E para acabar, aquela cabeça. Quem morara aqui? Uma cabeça empalhada do que teria sido em vida um albatroz gigante era o único adorno na divisão maior da casa, talvez uma sala de estar em tempos. Lá fora a tempestade rugia tão feroz que o velho farol não se via ao longe. A chuva ofuscava tudo e a maré subia lentamente, muito acima do seu nível habitual. Ainda havia luz, mas era difícil dizer se era manhã ou não.

Aprecio a cabeça por longos segundos em silêncio, quase em transe. A cabeça, além de separada do resto do corpo, está cortada ao meio, longitudinalmente, e encrustada numa placa de madeira rude e inacabada. Não bastou separar, da besta, a cabeça do corpo para a matar - tiveram de quebrar o seu discernimento ao meio para a aplacar. E mesmo assim não tenho a certeza de que esteja morta. Apesar de perfeitamente quieta, as suas feições não o são. Olhos penetrantes, húmidos e acutilantes; bico entreaberto; e penas que ondulam suavemente ao sabor da brisa que entra pela janelinha gradeada da sala. Só a cabeça mede cerca de meio metro. Quão grande teria sido este marinheiro? Para quão longe teria voado?

Reparo que não estás na sala. Com uma calma imensa que me assombra por dentro (devia estar em pânico) procuro-te pelas divisões da casa. Encontro-te finalmente numa das celas quadradas numa posição fetal, no lago de sangue que é agora o chão. Acordo-te do sono, a tremer. Com as poucas forças que te restam, chamas-me o ouvido e dizes-me entredentes - « o bébé está morto... » - enquanto colocas delicadamente a minha mão na tua barriga.

(...)

excertos de um sonho na madrugada de 26 de Janeiro de 2006.

20 janeiro 2006

Sultão

06 janeiro 2006

on evolution

Adoro aqueles momentos em que a minha gata está a olhar para algo que estou a fazer na secretária mas - ao contrário das outras vezes - percebe-se, por pequenos jeitos únicos, que está a observar com atenção e memória, que está a pensar, a fazer um esforço para entender o que estou a fazer, 'trying to figure things out', e aí carrego no «play» da cena do monolito no deserto.

ps: já me esquecia, bom ano para todos, grrááu.